Lo que «no se ve a simple vista»: las políticas antitrata en la Argentina y la politización del trabajo sexual (2008-2020)

Abstract

La campaña antitrata se instaló en Argentina de manera exitosa, apelando a lenguajes del movimiento de derechos humanos local y de los feminismos. En el plano supranacional, a principios del siglo XXI, la Organización de las Naciones Unidas logró estabilizar un encuadre para caracterizar este delito como un asunto de crimen organizado que involucra el tráfico de personas a través de las fronteras nacionales, con fines de explotación sexual y laboral. Sin embargo, en el plano nacional la campaña antitrata se configuró tempranamente como una campaña antiprostitución, lo que produjo efectos negativos sobre la población que pretendía proteger, al criminalizar a una gran cantidad de mujeres trabajadoras sexuales y «rescatar» coercitivamente a otras. Estos efectos, inesperados para los hacedores de políticas y para quienes las ejecutan, se caracterizaron como efectos no deseados o daños colaterales, y son los que nos interesa analizar, a modo de balance, en el período comprendido entre 2008 y 2020. Asimismo, nos detendremos en la relación entre la campaña antitrata y la creciente politización del trabajo sexual. Nos basamos en nuestra experiencia de investigación a lo largo de más de diez años, que incluye trabajo documental con expedientes judiciales por delitos de trata; observación participante en juicios orales, espacios de trabajo sexual y eventos de organizaciones de trabajadoras sexuales, análisis de materiales producidos por estas organizaciones y entrevistas con funcionarios a cargo de estas políticas y con trabajadoras sexuales.

The anti-trafficking campaign successfully established itself in Argentina, appealing to the language of the local human rights movement and feminism. At the supranational level, at the beginning of the 21st century, the United Nations managed to stabilize a framework to characterize this crime as a matter of organized crime involving trafficking in persons across national borders, for the purpose of sexual and labor exploitation. However, at the national level, the anti-trafficking campaign had particular modulations that configured it early on as an anti-prostitution campaign. Thus, the deployment of anti-trafficking policies had negative effects on the population they were intended to protect, criminalizing a large number of female sex workers and coercively “rescuing” others. These effects, unexpected for policy makers and policy implementers, were presented as unintended effects or collateral damage, and are the ones we are interested in analyzing in this paper, by way of a balance, in the period between 2008 and 2020. We will also look at the relationship between the anti-trafficking campaign and the increasing politicisation of sex work. We base our analysis on our research experience over more than ten years, which includes documentary work with trial records on trafficking crimes; participant observation in oral trials, sex work spaces, and sex worker organisations’ events, analysis of materials produced by these organizations and interviews with officials in charge of these policies and with sex workers.

A campanha anti-tráfico estabeleceu-se com sucesso na Argentina, apelando à linguagem do movimento local de direitos humanos e do feminismo. A nível supranacional, no início do século XXI, as Nações Unidas conseguiram estabilizar um quadro para caraterizar este crime como uma questão de criminalidade organizada que envolve o tráfico de pessoas através das fronteiras nacionais para fins de exploração sexual e laboral. No entanto, a nível nacional, a campanha anti-tráfico teve modulações particulares que a moldaram desde logo como uma campanha anti-prostituição. Assim, a implementação de políticas anti-tráfico teve efeitos negativos sobre a população que se pretendia proteger, criminalizando um grande número de trabalhadoras do sexo e “resgatando” coercivamente outras. Estes efeitos, inesperados pelos responsáveis políticos e pelos implementadores das políticas, foram apresentados como efeitos não intencionais ou danos colaterais, e são o que nos interessa analisar neste documento, através de um balanço, para o período entre 2008 e 2020. Também analisaremos a relação entre a campanha contra o tráfico e a crescente politização do trabalho sexual. Baseamo-nos na nossa experiência de investigação ao longo de mais de dez anos, que inclui trabalho documental com processos judiciais sobre crimes de tráfico; observação participante em julgamentos orais, espaços de trabalho sexual e eventos organizados por trabalhadoras do sexo, análise dos materiais produzidos por essas organizações e entrevistas com funcionários responsáveis por estas políticas e com trabalhadoras do sexo.